Ele fará uma visita de Estado ao presidente chinês, Xi Jinping, e participará, como convidado de honra, da cúpula China-Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac). Lula chega a Pequim após fazer uma viagem oficial à Rússia, comandada por Vladimir Putin, na semana passada.
A visita à China
acontece em meio a um cenário de tensão internacional entre as duas maiores
economias do mundo (Estados Unidos e China) e que tem respingado no Brasil.
Desde que assumiu
seu segundo mandato, o presidente norte-americano, Donald Trump, fez ameaças e
anunciou medidas que causaram reações negativas em diversas partes do mundo.
A principal delas
foi a aplicação de tarifas sobre a importação de produtos de diversos países,
entre eles da China e do Brasil. Trump impôs tarifas de até 140% sobre produtos
chineses.
A China, por sua
vez, reagiu e também anunciou tarifas sobre produtos norte-americanos,
ampliando a tensão entre os dois países. O tiroteio tarifário derrubou as
expectativas de crescimento econômico em mercados do mundo inteiro.
O Brasil também foi
afetado e atingido por tarifas de 10% para a maioria dos seus produtos.
No plano
diplomático, Trump tem feito acenos contra o multilateralismo e chegou a dizer
acreditar que, "talvez", os países da América Latina teriam que
escolher entre a China e os Estados Unidos.
Oficialmente, a
diplomacia brasileira afirma que a visita de Lula à China não seria uma
resposta ao suposto esfriamento das relações com os Estados Unidos ou mesmo uma
forma de organizar uma resposta ao "tarifaço" imposto pelos
norte-americanos.
"O Brasil
preza sua relação com os Estados Unidos e não faz da sua relação com a China
algo que se contraponha ao interesse em manter ótimas relações, que aliás,
mantemos, com os Estados Unidos", disse o secretário de Ásia e Pacífico do
Ministério das Relações Exteriores (MRE), Eduardo Saboia, durante entrevista na
semana passada.
Mas em meio a esse
contexto conturbado, analistas e diplomatas ouvidos pela BBC News Brasil
apontam que a viagem de Lula à China tenta enviar, sim, alguns sinais à
comunidade internacional.
Entre os recados
estariam a indicação de que o país segue apostando no multilateralismo como
forma de se engajar no mundo e de que poderia contar com parceiros de peso,
como a China, caso os Estados Unidos sigam com uma política externa de
isolamento internacional.
Parcerias acionáveis
A visita de Lula à
China é a sinalização para a comunidade internacional de que tanto o Brasil
quanto a China têm alternativas em um contexto em que os Estados Unidos se
mostram mais isolacionistas.
Essa é a avaliação
do coordenador do Centro de Altos Estudos da Universidade Federal Rural do Rio
de Janeiro (UFRRJ) e ex-pesquisador visitante da Universidade Fudan (na China),
Pablo Ibanez, e do professor de Relações Internacionais da Universidade de
Brasília e pesquisador do Centro de Estudos Globais, Antônio Carlos Lessa.
"Essa viagem é
uma demonstração clara de que o Brasil tem alternativas (de parceria) e de que
elas estão sendo densamente construídas ao longo dos anos", diz Ibanez à
BBC News Brasil.
"Essa relação
(entre Brasil e China) até pode trazer problemas no curto prazo, especialmente
em se tratando de tarifas (norte-americanas), mas mostra que o Brasil vem se
preparando e criando alternativas a qualquer movimento (internacional) que
possa vir a trazer prejuízos ao Brasil", completa o professor, em menção
às tarifas impostas pelos Estados Unidos a produtos brasileiros.
Nos bastidores da
diplomacia brasileira, a ideia de que o Brasil possa ter alternativas
diplomáticas em momentos de turbulência é vista como um imperativo. A
interpretação é de que as relações com os Estados Unidos estão frias. Lula e
Trump ainda não se falaram desde que o norte-americano tomou posse, em janeiro
deste ano.
A primeira missão
de enviados do Departamento de Estado Norte Americano (equivalente ao
Ministério de Relações Exteriores) ao Brasil chegou ao Brasil na semana
passada, quase quatro meses após a posse de Trump.
Apesar de manterem
encontros com técnicos do governo, um representante da missão enviada pelo
governo Trump também se reuniu com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL),
principal adversário político de Lula.
Um diplomata ouvido
pela BBC News Brasil na condição de anonimato afirmou que um dos objetivos da
viagem de Lula é apontar que o país não ficaria isolado caso os Estados Unidos
mantenham o que ele interpreta como uma política externa mais isolacionista.
Lessa aponta, por
sua vez, que tanto da perspectiva brasileira quanto da chinesa, a visita de
Lula a Xi Jinping mostra a facilidade com que os dois países podem acionar sua
rede de aliados.
"Essa visita
reforça essa ideia de que esta é uma parceria acionável e que, eventualmente,
possa ser um modelo a ser reproduzido com outros grandes parceiros", diz
Lessa.
Lessa afirma ainda
que, na perspectiva chinesa, a visita de Lula a Pequim e o tratamento dado a
ele durante sua estadia servem como uma espécie de propaganda para outros
países, especialmente na América Latina, sobre a imagem de parceiro que a China
quer projetar para o mundo em meio à disputa com os Estados Unidos.
"A China passa
a ideia de disponibilidade. É como se estivessem dizendo: 'Somos um parceiro
estável, crível, que não quebramos regras e acordos e que estamos do lado dos
nossos parceiros", diz Lessa.
Aposta no multilateralismo
Sob os holofotes,
Lula vem tentando manter uma imagem de neutralidade e defendendo o fim das
tensões internacionais, especialmente entre a China e os Estados Unidos. Ao
mesmo tempo, ele vem afirmando que o Brasil seguirá apostando no
multilateralismo como forma de engajamento internacional. Essa defesa vai na
contramão da política externa adotada pelo presidente Donald Trump.
"Fiz questão
de vir aqui para dizer que o Brasil está defendendo o fortalecimento do
multilateralismo. Não é possível que a gente não tenha aprendido uma lição com
a importância do que foi o multilateralismo depois da Segunda Guerra Mundial
[...] Discuti isso com o presidente Putin e vou discutir com com o presidente
Xi Jinping", disse Lula em entrevista coletiva no sábado (10/5), pouco
antes de embarcar para a China.
O multilateralismo
é uma corrente de pensamento nas relações internacionais que defende a
resolução de problemas a partir da cooperação entre os países por meio da
criação do estabelecimento de regras comuns a serem seguidas por todas as
nações, independentemente do seu poderio econômico ou militar.
O engajamento em
organismos multilaterais vem sendo, historicamente, adotado pelo Brasil como
uma forma de ampliar projeção no cenário internacional. Teóricos das Relações
Internacionais apontam que esta é uma das alternativas a serem usadas por
países com o perfil parecido com o do Brasil.
Tanto em seu
primeiro mandato como em seu segundo mandato, Donald Trump tem feito severas
críticas ao multilateralismo.
Na Europa, ele vem
defendendo que os Estados Unidos não deverão atuar tão fortemente na defesa do
continente como governos anteriores democratas.
Neste ano, ele
anunciou, novamente, a retirada dos Estados Unidos do Acordo de Paris, firmado
internacionalmente para evitar o agravamento das mudanças climáticas.
A medida esvazia,
em parte, uma das principais agendas internacionais do Brasil, que é a pauta
ambiental, especialmente no ano que o Brasil sediará a Cúpula das Nações Unidas
sobre as Mudanças Climáticas, a COP 30, que será realizada em Belém, em
novembro.
Oficialmente, o
Itamaraty seguiu a mesma linha do presidente e disse que a viagem de Lula à
China pode ser interpretada como um apelo ao chamado multilateralismo.
Na semana passada,
o diplomata Eduardo Saboia disse que a aposta do Brasil no multilateralismo não
se resumia à visita à China. Ele citou, como exemplo, as visitas que Lula fez
ao Japão e ao Vietnã, em abril deste ano.
"É preciso
preservar o sistema multilateral internacional [...] (A aposta do Brasil) é a
favor, não é contra ninguém. Ao contrário, é um esforço para valorizar isto que
é um ativo, um patrimônio comum dos países e que é indispensável",
afirmou.
Para o professor Pablo
Ibanez, a viagem de Lula à China é um claro aceno ao multilateralismo.
"Existe uma
prioridade de agenda internacional do Sul Global, do multilateralismo e da
negociação das questões pacíficas nessa visita [...] e a China é um grande
parceiro brasileiro", diz Ibanez.
Nos últimos meses,
China e Brasil deram respostas relativamente alinhadas em relação ao tarifaço
de Trump ao citarem a possibilidade de recorrerem à Organização Mundial do
Comércio (OMC) para arbitrar o assunto.
A entidade, uma das
principais apostas da diplomacia brasileira nos anos 1990 e 2000, vem sendo
tratada com ceticismo por seguidas administrações norte-americanas.
Em comunicado
oficial, o governo brasileiro disse em abril que não descartaria acionar a
organização para analisar as tarifas impostas pelo governo norte-americano. Até
o momento, porém, nenhuma ação foi movida pelo Brasil.
Os chineses, por
outro lado, já moveram uma ação contra os Estados Unidos junto à entidade.
Outra demonstração
de alinhamento entre China e Brasil em relação ao multilateralismo é a
tentativa de fortalecer os Brics, grupo de países fundado por Brasil, China,
Rússia, Índia e África do Sul e que hoje reúne onze países. Neste ano, a cúpula
do grupo será realizada no Brasil, em julho.
Diversificação das exportações
Um outro ponto
destacado pelos especialistas é de que um dos sinais enviados pelo Brasil nesta
viagem é o de que o país quer diversificar sua pauta de exportações à China,
atualmente fortemente calcada em commodities agrícolas e minerais.
Em 2024, segundo
dados do governo federal, o Brasil exportou R$ 94 bilhões à China, mas 75%
desse total foi composto de apenas três produtos: soja (33%), minério de ferro
(21%) e petróleo (21%).
Por outro lado, a
boa parte dos US$ 63 bilhões em produtos que a China vendeu ao Brasil são
compostos por produtos com alta tecnologia embarcada como carros elétricos,
painéis fotovoltaicos, telefones celulares e componentes eletrônicos.
"Há, sim,
preocupação em aprofundar e diversificar a nossa relação do ponto de vista
comercial. A gente exporta ferro bruto e importa aço da China [...] a gente
exporta soja a granel e há diversos setores têm se posicionado de maneira muito
clara para que a gente tenha uma nova relação com a China", diz Pablo Ibanez.
O professor, no
entanto, avalia que essa mudança de perfil tende a ser difícil de implementar.
"É uma
competição muito dura porque a atividade industrial na China se transformou
muito rapidamente. Hoje, as indústrias lá nascem, crescem e morrem com muita
facilidade. É difícil competir diretamente, mas é um ponto que está na pauta
dessa visita para que essa relação seja menos díspar (ao Brasil)".
O embaixador
Eduardo Saboia confirma essa ideia.
"A China
despontou como grande importador de produtos brasileiros e a gente tem
superávit com a China que ninguém vai achar ruim. O que nós queremos é
diversificar nossa pauta exportadora com a China e diversificar os
investimentos e as parcerias com a China procurando atraí-la para projetos de
neo-industrialização, capacitação tecnológica e transição energética",
disse o diplomata.
(Fonte: BBC)
Nenhum comentário:
Postar um comentário