

Por um lado, a quantidade de crimes não para de crescer. Por
outro, o País tem uma legislação considerada “exemplar” para coibir e prevenir
esses crimes: a Lei Maria da
Penha, que
completa 19 anos nesta quinta (7).
Tirar a
lei do "papel”, no entanto, ainda é um desafio. Segundo avaliam
pesquisadoras ouvidas pela Agência Brasil, a efetividade da
legislação requer implementação de políticas públicas para que as ações
concretas ocorram como o previsto: com medidas integradas de prevenção à
violência e um sistema especial de assistência à mulher.
Massacre
O
cenário atual, entretanto, pode ser esmiuçado com os números do último anuário
de segurança: são quatro feminicídios e mais de 10 tentativas de
assassinato a cada dia. Em 80% dos casos, o agressor era companheiro ou
ex-parceiro da vítima.
Ao
menos 121 das mortes nos últimos dois anos ocorreram quando a vítima estava sob
medida protetiva de urgência. Essa informação, divulgada pela primeira vez em
um anuário, é um dos dados considerados mais simbólicos da dificuldade do poder
público de evitar novas mortes.
Aliás, das 555 mil medidas protetivas concedidas no ano passado
(que foram 88% das solicitadas), pelo menos 101.656 foram descumpridas pelos
agressores.
Medidas
protetivas
Pesquisadora
em direito e sociologia, Isabella Matosinhos, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública,
acredita que as medidas protetivas de urgência, garantidas pela “avançada” Lei
Maria da Penha, permitem uma aplicação rápida e podem ser capazes de salvar
vidas. O principal instrumento que a lei Maria da Penha traz, no entanto, não
tem se mostrado eficaz, na opinião de Isabella.
“As políticas
públicas precisam passar a olhar para os casos em que ela é infringida, em que
não dá conta de prevenir uma situação de violência e proteger uma mulher. Esse
é o desafio: olhar para os casos em que a medida protetiva é ineficaz.”
A medida protetiva de urgência é um mecanismo previsto na Lei
Maria da Penha desde 2006. Em 2019, sofreu alteração para permitir
que a autoridade policial concedesse essas medidas. Até então, era somente o
Judiciário que poderia fazer a concessão.
A
pesquisadora contextualiza ainda que os dados sobre descumprimento e morte de
mulheres quando deveriam estar protegidas podem estar subnotificados, uma vez
que nem todos os estados enviam as informações.
Por
isso, a lei sozinha não consegue mudar o cenário. No ano passado, o
Brasil registrou, pelo menos duas, ligações por minuto relacionadas à violência
doméstica.
O
atendimento em rede, conforme prevê a lei, garantiria acolhimento de múltiplos
setores para a mulher, tais como os serviços de saúde e assistência social,
além da questão da segurança pública.
“É
muito difícil que exista o funcionamento integrado dessas redes”, diz Isabella
Matosinhos.
Ela acrescenta que um dos papéis das polícias seria manter com
mais rigor a fiscalização cotidiana dos agressores para evitar que se aproximem
das mulheres.
Atuação
em rede
Pesquisadora
do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública, da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG), a professora Amanda Lagreca, que também atuou
no anuário de segurança pública, considera que as políticas públicas têm que
ser realizadas e implementadas considerando à complexidade que envolve a
realidade de mulheres brasileiras.
“Isso importa
porque as instituições devem implementar de fato essa lei. O poder público
precisa pensar como a assistência social, a polícia e o próprio sistema de
justiça criminal estão implementando a legislação”, salienta a Amanda.
Segundo
avaliam as pesquisadoras, nas capitais essa estratégia funcionaria melhor para
os serviços. Mas, no interior, os desafios são maiores: “É preciso que haja
investimento do estado, dos municípios, para que essa rede se sustente”, diz
Isabella.
Ambas
ressaltam que a violência contra a mulher atinge vítimas de todas as classes
sociais e regiões. No entanto, elas apontam que, conforme o próprio anuário de
segurança pública, 63,6% das vítimas eram mulheres negras, e 70,5% entre 18 e
44 anos.
“A
maioria delas são mortas dentro de casa por homens. Mulheres jovens e negras
acabam sendo as principais atingidas”, afirma Isabella.
Mudança
de consciência
As
pesquisadoras argumentam que a Lei Maria da Penha promove um olhar completo
para prevenção por intermédio de medidas protetivas possíveis, que vão desde a
restrição de contato com a vítima, e pode contemplar também a participação do
agressor em grupos reflexivos.
“É algo
muito importante no sentido educativo. Mas a gente também tem visto uma
tendência na legislação de ‘enfrentar’ o problema com aumento das penas. No
entanto, a gente precisa avançar mais em políticas públicas”, adverte a
pesquisadora da UFMG.
Amanda
Lagreca reconhece o fato de que a Lei Maria da Penha nasceu de demandas da
sociedade civil e é um marco ao enquadrar a violência contra a mulher como uma
violação de direitos humanos. Hoje uma luta da sociedade e do poder público é ocupar
espaços de influência, como as escolas, e outros ambientes educativos para
ensinar aos meninos ou rapazes que a sociedade não tolera violência contra a
mulher.
“É uma
lei, fruto de uma luta, que tem quase duas décadas e foi reconhecida, inclusive
pela ONU, como uma das mais importantes do mundo e um modelo a ser seguido no
combate à violência contra as mulheres”, diz Amanda Lagreca.
Um dos avanços de atualização da lei foi considerar a violência
psicológica como uma forma de agressão.
Serviço
Para
solicitar a medida protetiva, é necessário que haja um histórico de violência.
Prevenir as primeiras violências envolve uma mudança cultural.
As
pesquisadoras consideram que a lei surgiu em um momento importante da história
do Brasil, com o avanço dos direitos das mulheres.
“Esse agravamento
da violência de gênero é o grande gargalo da democracia brasileira, no que diz
respeito às mulheres. Elas morrem por serem mulheres. A utilização da Lei Maria
da Penha continuará sendo um instrumento de combate”, conclui Amanda.
(Ag.
Brasil)
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