No Vale do Silício, região dos Estados Unidos onde estão sediadas as
principais empresas de tecnologia, o debate sobre se as empresas de
inteligência artificial (IA, ou AI, em inglês) estão supervalorizadas tem
ganhado fôlego.
Céticos, alguns apenas em ambientes privados e
outros agora na esfera pública, questionam se a disparada no valor de mercado
dessas empresas pode ser, ao menos em parte, resultado do que chamam de
"engenharia financeira".
Em outras palavras, há quem tema que essas empresas
estejam valendo mais do que deveriam.
Altman disse esperar ver investidores cometendo
erros e startups sem futuro faturando fortunas. Mas ele ressaltou que, com a
OpenAI, "algo de verdade está acontecendo".
Nem todos estão convencidos.
Nos últimos dias, alertas sobre uma bolha da IA
vieram do Banco da Inglaterra, do Fundo Monetário Internacional (FMI) e também
de Jamie Dimon, chefe do banco JP Morgan, que disse à BBC que "o nível de
incerteza deveria estar mais presente na mente da maioria das pessoas".
E aqui no Vale do Silício, frequentemente
considerado o polo tecnológico do mundo, as preocupações crescem.
Em debate realizado no Museu da História do
Computador, no Vale do Silício, também nesta semana, o pioneiro em IA Jerry
Kaplan disse a uma plateia lotada que já viveu quatro bolhas.
Ele está especialmente preocupado agora, dado o
montante de dinheiro em jogo, que é muito maior do que na chamada bolha das
empresas ponto com — como ficou conhecida a crise de especulação que aconteceu
na bolsa americana no final dos anos 1990. Há muito mais a perder.
"Quando [a bolha] estourar, vai ser muito
ruim, e não apenas para quem trabalha com IA", disse. "Vai arrastar o
restante da economia junto."
Apesar das preocupações, alguns especialistas veem
oportunidades. Na Stanford Graduate School of Business, que formou diversos
empreendedores de tecnologia, a professora Anat Admati afirma que é difícil
prever uma bolha e só é possível ter certeza após seu estouro.
"É muito difícil prever uma bolha. E você não
pode afirmar com certeza que estava em uma até que ela tenha estourado",
disse.
Mas os dados preocupam muitos.
Empresas ligadas à IA responderam por 80% dos
ganhos surpreendentes da Bolsa americana neste ano, e a Gartner, empresa
americana de pesquisa e consultoria em tecnologia da informação, estima que os
gastos globais com IA devem chegar a US$ 1,5 trilhão (cerca de R$ 8,4 trilhões)
antes do fim de 2025 — a título de comparação, a soma de todos os bens e
serviços produzidos (PIB) no Brasil em 2024 chegou a R$ 11,7 trilhões.
Um emaranhado de acordos
A OpenAI, que popularizou a IA com o ChatGPT em
2022, está no centro de um emaranhado de acordos atualmente sob intensa
análise.
Por exemplo, em setembro de 2025, a OpenAI firmou
um contrato de US$ 100 bilhões (cerca de R$ 560 bilhões) com a fabricante de
chips Nvidia, atualmente a companhia de capital aberto mais valiosa do mundo.
Em agosto, a Nvidia divulgou uma receita de US$ 46,7 bilhões (cerca R$ 247,5
bilhões) no segundo trimestre do ano, um aumento de 56% em relação ao mesmo
período de 2024.
O acordo amplia um investimento anunciado
anteriormente no caminho inverso, da Nvidia na OpenAi, com a expectativa de que
a OpenAI construa centros de dados usando os chips avançados da Nvidia.
Mas na segunda-feira (13/10), a OpenAI anunciou
planos de comprar equipamentos de desenvolvimento de IA no valor de bilhões de
dólares da AMD, fabricante de chips rival da Nvidia, em um negócio que pode
torná-la uma das maiores acionistas da empresa.
Vale lembrar que a OpenAI é uma companhia privada,
sem ações negociadas na Bolsa de Valores, embora recentemente tenha sido
avaliada em meio trilhão de dólares (cerca de R$ 2,8 trilhões).
A gigante de tecnologia Microsoft também é
investidora significativa na OpenAI, e a empresa de computação em nuvem Oracle
mantém um contrato de US$ 300 bilhões (cerca de R$ 1,7 trilhão) com a OpenAI.
O projeto Stargate da OpenAI, no Estado americano
do Texas, financiado com apoio da Oracle e do conglomerado japonês SoftBank e
anunciado na Casa Branca durante a primeira semana do governo Donald Trump,
cresce a cada mês.
Além disso, a Nvidia detém participação na startup
de IA CoreWeave, que fornece parte da enorme infraestrutura da OpenAI.
Especialistas do Vale do Silício alertam que, à
medida que esses arranjos financeiros complexos se tornam cada vez mais comuns,
eles podem estar distorcendo a percepção sobre a demanda por IA.
Algumas pessoas não estão poupando palavras sobre o
assunto, chegando a chamar os acordos de "financiamento circular" ou
até de "financiamento de fornecedor", quando uma empresa investe ou
empresta dinheiro a seus próprios clientes para que eles continuem comprando.
"Sim, os empréstimos de investimento são sem
precedentes", disse Altman na segunda-feira (13/10). Mas ele acrescentou:
"Também é sem precedentes empresas crescerem em receita tão rápido."
A receita da OpenAI cresce rapidamente, mas é
importante ressaltar que a companhia nunca teve lucro.
E não é um bom sinal que as pessoas com quem a BBC
conversou continuem mencionando a Nortel, a fabricante canadense de
equipamentos de telecomunicações que tomou empréstimos de forma intensa para
financiar negócios de seus clientes e, assim, inflar artificialmente a demanda por
seus produtos.
Por sua vez, Jensen Huang, da Nvidia, defendeu o
acordo com a OpenAI à CNBC na segunda-feira (13/10), afirmando que a empresa
não é obrigada a comprar a tecnologia da sua companhia com o dinheiro
investido.
"Eles podem usar como quiserem", disse
Huang. "Não há exclusividades. Nosso objetivo principal é apoiá-los e
ajudá-los a crescer, e fazer o ecossistema crescer também."
Sinais claros
Kaplan, pioneiro em IA, identifica sinais de que o
setor e, portanto, a economia em geral, pode estar em apuros. Em momentos de
euforia, diz ele, empresas anunciam grandes iniciativas e planos de produtos
para os quais ainda não têm capital.
Enquanto isso, investidores de varejo se apressam
para entrar na onda das startups.
A valorização das ações da fabricante de chips AMD
nesta semana pode indicar que investidores tentam lucrar com a máquina de
riqueza do ChatGPT e, enquanto isso acontece, a infraestrutura física real,
destinada a atender à aparentemente insaciável demanda por mais desenvolvimento
de IA, está sendo construída.
"Estamos criando um novo desastre ecológico
feito pelo homem: enormes centros de dados em locais remotos, como desertos,
que vão enferrujar e liberar substâncias nocivas ao meio ambiente, sem ninguém
para ser responsabilizado, porque construtores e investidores já terão ido
embora", disse Kaplan.
Hoje, há 162 data centers espalhados pelo Brasil,
conforme estimativas da Associação Brasileira de Data Centers (não há dados públicos
oficiais), com capacidade instalada em torno de 750MW e 800MW.
Algo dessa magnitude, para efeito de
comparação, é semelhante ao consumo de energia de uma cidade de cerca
de 2 milhões de habitantes, conforme estimativas feitas por técnicos
da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) a pedido da reportagem.
Usando a mesma analogia do consumo de eletricidade
por habitante (que não é uma comparação perfeita, mas serve para dar dimensão
da magnitude), a demanda por energia projetada para os data centers em 2038
equivaleria à de uma cidade de 43 milhões de habitantes, quase quatro vezes a
população da cidade de São Paulo (11,5 milhões, conforme o Censo 2022).
Data centers que têm a capacidade de treinar,
implementar e disponibilizar aplicações e serviços de IA são equipados com
circuitos eletrônicos com chips de alto desempenho (como o H100 da Nvidia) que
consomem muito mais energia do que os tradicionais.
Com a popularização do uso da inteligência
artificial, contudo, a expansão prevista para a próxima década deve multiplicar
esse número em mais de 20 vezes.
Mesmo que estejamos em uma bolha, a esperança do
Vale do Silício é que os investimentos feitos agora não se percam
necessariamente.
"O que me conforta é que a internet foi
construída sobre as cinzas do excesso de investimento na infraestrutura de
telecomunicações de ontem", disse Jeff Boudier, que desenvolve produtos no
hub de IA Hugging Face.
"Se há excesso de investimento em infraestrutura
para cargas de trabalho de IA, pode haver riscos financeiros associados",
afirmou.
"Mas isso vai viabilizar muitos novos produtos
e experiências, incluindo aqueles que nem estamos imaginando hoje."
Há muitos que acreditam no potencial da IA de
transformar a sociedade.
A questão é se o dinheiro para financiar as
ambições das principais empresas do setor pode estar se esgotando.
"A Nvidia parece ser o credor ou investidor final", disse Rihard Jarc, fundador da newsletter UncoverAlpha. "Quem mais teria capacidade hoje de investir US$ 100 bilhões (cerca de R$ 560 bilhões) em outra empresa?"
(Fonte:
BBC)
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