A comunidade
Caraíbas, onde ela vive, no município de Canhoba (SE), ainda não foi titulada.
Isto é, as 300 famílias que moram na área não têm documentos que lhes garantam
segurança jurídica sobre as terras. Por isso, sofrem com as ameaças dos
fazendeiros que disputam aquelas áreas.
“Já passei por
ameaça, perseguição política, tentativa de homicídio contra meu tio”, lista a
agricultora sobre as violências que sofre há pelo menos 20 anos – período em
que a comunidade busca, na justiça, a regulação daquelas terras.
Atualmente, no
Brasil, há 1.857 quilombos com processos abertos de titulação no Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), órgão responsável pela
execução da política que garante os direitos sobre a terra a essas comunidades.
Muitos outros ainda nem entraram no processo de regularização fundiária. “Dos
mais de 5 mil quilombos no Brasil, temos apenas 202 quilombos com título”,
afirma Xifroneze, que atualmente assume o cargo de coordenadora executiva da
Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).
Do mesmo modo,
acontece com sem terras, indígenas e outras comunidades tradicionais que
sofrem as violências enquanto garantem a preservação das matas. De acordo com a
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), o país tem cerca de 200
terras indígenas aguardando a finalização do processo de demarcação. E,
enquanto a regularização não chega, esses povos ficam expostos às violências
como invasão dos territórios, pulverização de agrotóxico sobre as roças e rios,
ameaças e até assassinatos.
Dados divulgados em
junho deste ano pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) revelam que essas
investidas contra pessoas, territórios e modos de vida, aumentaram na última
década.
“Quando a gente diz
que, nos últimos tempos, os grupos mais afetados foram populações tradicionais,
a gente está dizendo que são esses grupos, que protegeram a natureza desde que
chegaram os portugueses aqui, estão sendo diretamente atacados”, alerta Luiz
Jardim Wanderley, pesquisador e professor do departamento de geografia da
Universidade Federal Fluminense (UFF). “E o desmatamento é um vetor de
violência também desses ataques”, diz.
Violências aumentaram na última década
Wanderley coordenou a
pesquisa do Atlas dos Conflitos no Campo Brasileiro, um documento publicado em
julho de 2025 pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) com o levantamento dessas
violências nos últimos 39 anos – de 1985 a 2023.
No período, o Brasil
teve 50.950 ocorrências de conflitos no campo,
segundo o documento. O atlas, lançado no evento de 50 anos da pastoral,
apresenta um panorama da violência no campo no Brasil e um dado alarmante: as investidas contra as
comunidades rurais seguem aumentando, e tiveram número alarmantes na
última década.
“Entre 2016 e 2023,
as ocorrências se mantiveram bem acima da média histórica. Os conflitos se
intensificam em todo o Cerrado ampliado, mas de forma especial no Matopiba
[fronteira agrícola que engloba áreas dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí
e Bahia]”, aponta o atlas dos conflitos.
Não por acaso, as violências coincidem com as áreas de desmatamento, não só do Matopiba, por onde avançam as plantações de soja, mas também da Amacro, a fronteira agrícola na Amazônia, que reúne áreas dos estados do Amazonas, Acre e Rondônia.
Em 2023, a área concentrou 10% [179] de todos os
conflitos por terra registrados no país, e 26% de todos os assassinatos
ocorridos em contexto de conflitos no campo, de acordo com o Relatório de
Conflitos no Campo de 2023 da pastoral.
O avanço das fronteiras agrícolas e a ganância por novas áreas de exploração por parte de fazendeiros e empresários sobre terras públicas encurrala os povos e comunidades tradicionais, cada vez mais pressionados em suas. Os indígenas são as maiores vítimas da violência no campo no Brasil, enquanto fazendeiro, empresários e agentes do Estado, como policiais, estão entre os causadores dos conflitos.
“A gente tem uma
corporatização do território e do campo brasileiro[…] a esperança que se tinha
[era] de que o empresariado iria entrar no campo e iria trazer algum tipo de
racionalidade… Mas ele não traz racionalidade”, lamenta Wanderley. “Ele mantém
um padrão violento histórico contra as minorias, contra indígenas, contra
negros, contra quilombolas. Ele mantém e agrava esse padrão de violência que a
gente tem ao longo do tempo”, diz.
Entre 1985 e 2023, os
conflitos no campo cresceram 444%, de acordo com a pesquisa. O documento
ressalta que, apesar de alguns momentos de queda e estabilidade nas últimas
quatro décadas, a tendência é de crescimento geral no cenário de violência no
campo.
“Nesse processo da
expansão ou da constituição da propriedade privada, a violência é uma coisa que
está inerente. Ou seja, ela é estrutural”, ressalta Camila Salles, geógrafa,
pesquisadora e professora no departamento de geografia na Universidade Federal
de Mato Grosso (UFMT).
A pesquisadora
explica que o desmatamento, em muitos casos, é usado como instrumento da
grilagem. O invasor da terra desmata para comprovar que pratica uma atividade
na área e, depois, tentar conquistar o título da terra. Por fim, uma área que
seria preservada e teria um uso sustentável, caso fosse ocupada por comunidades
tradicionais, passar a ser dominada por pastagens e monoculturas.
“Então, não dá para tratar só a questão do desmatamento separado da questão
fundiária. Tem que estar junto”, alerta Salles.
‘Não podemos falar de clima sem falar das
vidas das pessoas’
“A COP por sua
posição estratégica na geopolítica global do multilateralismo poderia sim ser
um espaço que tratasse de vários assuntos que estão profundamente ligados a
agenda climática”, afirma Ayala Ferreira da direção nacional do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
No entanto, isso não
ocorre porque, como avalia Ferreira, a conferência “se transformou em um espaço
das negociações sobre a agenda das mudanças climáticas e que a meta prioritária
é levar os Estados nacionais signatários do sistema ONU [Organização das Nações
Unidas] aliados a setores privados apresentarem um plano que não altera
profunda e efetivamente a crise ambiental que ao nosso ver vai além da agenda do
aquecimento global”.
O direito à terra
garante a segurança de quem protege as matas e é um caminho possível para a
contenção da crise climática. É essa a mensagem que povos e comunidades
tradicionais esperam conseguir transmitir na COP30, em Belém.
“Não podemos falar de
clima sem falar das vidas das pessoas e dos animais”, lembra Xifroneze Santos.
“Não é só a natureza em si [que importa], mas sim as pessoas que estão ali
naquele naquele meio, naquele ambiente, onde vêm preservando, vêm cuidando e
poucos são vistos e respeitados”, diz.
O que é a COP
COP é a sigla para
Conferência das Partes, um encontro envolvendo líderes globais de diversos
países e da União Europeia, que acontece desde 1995. Ali, representantes das
nações e de blocos, como a Associação Independente da América Latina e do
Caribe (Ailac) e a Aliança dos Pequenos Estados Insulares (Aosis)
encontram para apresentar e debater propostas que possibilitem que a humanidade
consiga frear o aquecimento global e se adaptar aos efeitos inevitáveis da
crise climática.
Atualmente, as metas
debatidas na COP são guiadas pelo Acordo de
Paris, que orienta, por exemplo, que os países devem reduzir o
uso de combustíveis fósseis, investir em fontes de energia menos poluentes e
zerar o desmatamento.
A 30ª edição da
conferência, a COP30, será realizada entre os dias 10 e 21 de novembro de 2025
em Belém, no Pará e o Brasil de Fato estará lá acompanhando os
debates.
(Brasil de Fato)


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