O casal está entre as pessoas convocadas para
prestar o depoimento, além do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e
tenente-coronel do Exército Mauro Cesar Barbosa Cid; do pai dele, o general do
Exército Mauro Cesar Lourena Cid; do advogado Frederick Wassef, que defendeu a
família Bolsonaro em diversos casos; e do advogado Fabio Wajngarten, ex-chefe
da comunicação do governo Bolsonaro; e de mais dois assessores do
ex-presidente.
O agendamento simultâneo de depoimentos faz parte
de uma estratégia chamada de "dilema do prisioneiro" — já usada
anteriormente pela PF no caso das joias.
Segundo especialistas entrevistados pela BBC News Brasil, a
ideia seria dificultar a combinação de versões e estimular a entrega de
informações úteis para a investigação.
De acordo com a PF, Bolsonaro, assim como outros
investigados, são suspeitos de "desviar presentes de alto valor recebidos
em razão do cargo pelo ex-Presidente da República e/ou por comitivas do governo
brasileiro, que estavam atuando em seu nome, em viagens internacionais,
entregues por autoridades estrangeiras, para posteriormente serem vendidos no
exterior".
A investigação apontou, além disso, que os
montantes obtidos com essas vendas eram convertidos em dinheiro em espécie e
ingressavam no patrimônio pessoal do ex-presidente por meio de intermediários e
sem utilizar o sistema bancário formal, supostamente visando ocultar a origem,
localização e propriedade dos valores.
Entretanto, a PF ainda está na fase de
investigações, sem notícias de indiciamentos no caso.
Procurada pela reportagem com pedidos de
informações, a polícia afirmou que "não se manifesta sobre investigações
em andamento, nem sobre eventuais depoimentos".
No centro da disputa está o entendimento de qual
deveria ser o destino dos presentes dados por autoridades estrangeiras.
Por lei, objetos recebidos devem ser incorporados
ao acervo da Presidência da República, ou seja, são bens públicos e não
pessoais.
Uma exceção são itens considerados
"personalíssimos", como roupas, perfumes e alimentos.
A defesa de Bolsonaro tem sustentado que os
presentes em questão eram, sim, personalíssimos.
Enquanto isso, em março, o presidente do Tribunal
de Contas da União (TCU), ministro Bruno Dantas, se pronunciou sobre o caso
contrariando a versão da defesa.
"De acordo com a jurisprudência desta Corte de
Contas desde 2016, para que um presente possa ser incorporado ao patrimônio
pessoal da autoridade é necessário atender a um binômio: uso personalíssimo,
como uma camisa de futebol, e um baixo valor monetário."
A BBC News Brasil pediu posicionamento mas não teve
retorno da defesa de Jair Bolsonaro e de Michelle Bolsonaro; o escritório que
defende Mauro Cesar Barbosa Cid e Mauro Cesar Lourena Cid afirmou que não iria
se posicionar. A reportagem não conseguiu contato com Frederick Wassef e Fabio
Wajngarten.
Confira abaixo os principais acontecimentos no caso
até o momento e saiba mais sobre os presentes e as joias que levaram à investigação.
Da revelação à investigação
As suspeitas vieram à tona em março, a partir de
reportagens do jornal O Estado de S. Paulo.
Entre outras informações, o jornal revelou que a
Receita Federal reteve, em 2021, um estojo feminino com joias Chopard que teria
sido enviado pelo governo da Arábia Saudita à primeira-dama Michelle Bolsonaro.
No mesmo mês, a PF abriu um inquérito para apurar a
movimentação das joias.
O estojo estava na mochila de um assessor do então
ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque, que havia voltado de uma viagem
oficial à Arábia Saudita. O assessor não declarou os bens ao chegar ao Brasil.
Depois desse caso, a polícia passou a investigar
também a movimentação de um kit masculino da Chopard (incluindo caneta, anel,
abotoaduras, rosário árabe e relógio); dois relógios (um da marca suíça Rolex,
acompanhado por joias, e outro da marca suíça Patek Philippe) e duas esculturas
folheadas a ouro (saiba mais sobre os itens a seguir).
Em abril, Jair Bolsonaro e Mauro Cesar Barbosa Cid
já haviam prestado depoimento à PF sobre as joias.
Em 11 de agosto, em outra etapa da investigação, a
PF conduziu a operação Lucas 12:2, autorizada pelo ministro Alexandre de
Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
A operação atingiu integrantes do núcleo mais próximo
de Bolsonaro — Mauro Cesar Barbosa Cid; Mauro Cesar Lourena Cid; Frederick
Wassef e Osmar Crivelatti, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e tenente do
Exército — um mês depois de o ex-presidente ter sido condenado pelo Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) e ficar inelegível por oito anos.
Apesar de ter o nome mencionado pela PF como
integrante de uma suposta "organização criminosa", Bolsonaro não foi
alvo da Lucas 12:2.
Segundo a polícia, os crimes apurados na operação
foram lavagem de dinheiro e peculato (desvio de bem público).
No último dia 17, o portal G1 e a Folha de S.Paulo
divulgaram que o ministro Alexandre de Moraes havia autorizado a quebra do sigilo
fiscal e bancário do presidente e sua esposa, Michelle Bolsonaro, a pedido da
PF. A polícia não confirma oficialmente a informação.
Boa parte das evidências já coletadas pela PF se
baseia em conversas por WhatsApp encontradas no celular de Mauro Cesar Barbosa
Cid, cujo sigilo havia sido quebrado anteriormente.
Os diálogos mostram os esforços dele, do pai e de
outros envolvidos em transportar e vender nos Estados Unidos alguns dos itens
que teriam sido recebidos pela família Bolsonaro.
O tenente Cid, inclusive, realizou um outro
depoimento à PF de cerca de 10 horas na segunda-feira (28/8). O conteúdo da
conversa com os investigadores está em sigilo.
Ele está preso desde maio por causa de uma outra
investigação sobre um suposto esquema de fraudes nos cartões de vacinação
contra a covid-19.
Presentes investigados
Os presentes recebidos pela família Bolsonaro que
se tornaram agora uma fonte de preocupação são os seguintes.
Kit masculino da Chopard
Em 2021, durante viagem do então ministro de Minas
e Energia, Bento Albuquerque, à Arábia Saudita, o governo Bolsonaro recebeu um
kit com itens da marca suíça Chopard que incluía: uma caneta, um anel, um par
de abotoaduras, um rosário islâmico ("masbaha") e um relógio.
O kit teria sido trazido pelo próprio ministro na
sua bagagem pessoal sem ser declarado e permanecido guardado no cofre do prédio
do ministério por mais de um ano.
Segundo a investigação da PF, esse kit saiu do
Brasil no mesmo voo oficial que levou Bolsonaro, sua família e seus assessores
à Flórida, nos Estados Unidos, no dia 30 de dezembro de 2022, o penúltimo dia
de seu mandato.
Levadas a leilão pela Fortuna Auctions, em Nova
York, nos Estados Unidos, com valor inicial de US$ 50 mil (R$ 248 mil, segundo
cotação atual), as peças não foram arrematadas "por circunstâncias alheias
à vontade dos investigados", disse a PF em relatório.
Em março, o TCU determinou que Bolsonaro entregasse
esse kit à Caixa Econômica Federal — os bens foram posteriormente
"resgatados" na casa de leilão e devolvidos ao governo pela defesa do
ex-presidente.
Kit feminino da Chopard
O conjunto Chopard formado por colar, anel, relógio
e brincos de diamantes foi retido pela Receita Federal no aeroporto
internacional de Guarulhos e seria um presente para a ex-primeira-dama Michelle
Bolsonaro.
Os itens foram encontrados na mochila de um assessor
do então ministro de Bento Albuquerque que fazia parte da comitiva que viajou à
Arábia Saudita.
Pela lei, todo bem avaliado em mais de R$ 5 mil
(US$ 1.000) deve ser declarado na chegada ao país. Como as joias não foram
declaradas, as peças acabaram confiscadas.
Reportagens mostraram que, a três dias do fim do
mandato de Bolsonaro, seu então ajudante de ordens, Mauro Cid, assinou um
ofício endereçado ao então secretário especial da Receita Federal Julio Soares
solicitando a liberação das joias.
Um emissário da Presidência foi enviado à Receita
Federal em Guarulhos munido do ofício e solicitou a devolução das joias.
Os fiscais, no entanto, alegaram que o ofício não
era o documento adequado para a liberação e mantiveram o pacote retido.
Esculturas folheadas a ouro
Segundo a PF, Bolsonaro recebeu, em novembro de
2021, uma escultura de barco folheada a ouro em um seminário com empresários
árabes e brasileiros no Bahrein.
Uma segunda escultura, também folheada a ouro, mas
em formato de palmeira, não teve a origem identificada.
As duas peças recebidas por Bolsonaro como
presentes oficiais também foram levadas no voo oficial para Orlando, antes de o
ex-presidente concluir seu mandato.
Dali, os itens foram encaminhados para lojas
especializadas nos Estados americanos da Flórida, Nova York e Pensilvânia,
"para serem avaliados e submetidos à alienação, por meio de leilões e/ou
venda direta".
Segundo a PF, mensagens de Mauro Cid indicam que os
objetos foram avaliados com valores baixos porque eram apenas "folheadas",
e não de ouro maciço.
Não há menção na investigação quanto ao valor das
peças em reais.
Relógio Patek Philippe
O relógio da marca suíça Patek Philippe foi
recebido possivelmente, segundo a PF, durante a mesma visita oficial de
Bolsonaro ao Bahrein em novembro de 2021.
Segundo a PF, o relógio Patek Philippe foi
extraviado do acervo oficial "diretamente para a posse do ex-presidente
Jair Bolsonaro".
A investigação aponta que fotos do item foram
enviadas por Mauro Cid para um contato cadastrado em sua agenda como "Pr
Bolsonaro Ago/21" em 16/11/21, ainda durante a viagem ao Bahrein.
Cid também enviou ao mesmo contato outra foto, do
certificado do relógio, indicando que a peça era original de uma loja daquele
país, ainda conforme a PF.
Kit masculino contendo relógio Rolex
Em viagem oficial à Arábia Saudita, em outubro de
2019, Bolsonaro recebeu um kit com: anel, abotoaduras, um rosário islâmico
("masbaha") e um relógio da marca Rolex, de ouro branco com
diamantes.
Foi um presente do rei da Arábia Saudita, Salman
bin Abdulaziz Al-Saud, ao então presidente.
Esse Rolex foi, segundo a PF, negociado junto com o
relógio Patek Philippe por US$ 68 mil (R$ 346.983,60 na cotação da época).
A PF não estimou o valor dos outros itens em seu
relatório.
Segundo os investigadores, esse kit também foi
transportado no último voo oficial de Bolsonaro como presidente, em dezembro de
2022.
Mas acabou desmembrado por seus assessores: o
relógio foi vendido a uma empresa especializada, e as joias, entregues para
venda em outra.
Assim como o kit da Chopard, esse conjunto teve que
ser "resgatado" por aliados de Bolsonaro após decisão do TCU, em
março, que determinou que eles teriam que ser devolvidos ao Governo Federal.
Idas e vindas
Segundo a PF, essa operação "resgate" dos
itens que estavam nos EUA envolveu o advogado Frederick Wassef — mas, até pouco
tempo atrás, ele negava ter participado de tratativas envolvendo as joias.
Dois dias depois da operação Lucas 12:2, Wassef
publicou uma nota afirmando: "Nunca vendi nenhuma joia, ofereci ou tive
posse. Nunca participei de nenhuma tratativa, e nem auxiliei nenhuma venda, nem
de forma direta ou indireta. Jamais participei ou ajudei de qualquer forma
qualquer pessoa a realizar nenhuma negociação ou venda".
Entretanto, poucos dias depois, em entrevista
coletiva no dia 15, Wassef afirmou que havia, sim, comprado o relógio Rolex com
recursos próprios e com o objetivo de devolver o item à União.
De acordo com os investigadores, a recompra teria
acontecido em uma loja localizada no complexo Seybold Jewelry Building na
cidade de Miami, na Flórida.
"Primeiramente o relógio Rolex DAY-DATE,
vendido para a empresa Precision Watches, foi recuperado no dia 14/03/2023,
pelo advogado Frederick Wassef, que retornou com o bem ao Brasil, na data de
29/03/2023. No dia 02/04/2023, Mauro Cid e Frederick Wassef se encontraram na
cidade de São Paulo, momento em que a posse do relógio passou para Mauro Cid,
que retornou para Brasília/DF na mesma data, entregando o bem para Osmar
Crivelatti, assessor do ex-presidente Jair Bolsonaro", diz a PF em seu
relatório.
Enquanto isso, Mauro Cid teria recuperado nos EUA o
restante das joias que originalmente compunham o kit.
Segundo a investigação, Cid chegou ao Brasil em 28
de março com as joias, e Wassef, no dia seguinte, com o Rolex.
O kit foi remontado e entregue em uma agência da
Caixa Econômica Federal, em Brasília, em 4 de abril de 2023.
Não só Wassef, mas também Mauro Cid teve seu nome
envolvido em um episódio de recuo nas versões.
No dia 17, a revista Veja publicou que o tenente-coronel
pretendia confessar que teria negociado a venda das joias a mando do
ex-presidente. A intenção de confessar foi revelada à revista pelo advogado de
Cid, Cezar Bitencourt.
Entretanto, no dia seguinte, Bitencourt afirmou ao
jornal O Estado de S. Paulo que a Veja teria errado ao colocar que ele estava
falando especificamente das joias. Em seguida, a revista divulgou áudios da
entrevista mostrando que o advogado dissera o que foi publicado.
Ao canal GloboNews, o advogado acrescentou que Cid
não faria uma confissão à Justiça, apenas apresentaria esclarecimentos a
investigadores.
(Fonte: BBC)
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