

Para
a cientista social e coordenadora da Rede, Silvia Ramos, os números são
“escandalosos” e reforçam um problema estrutural do país: o racismo que
atravessa diferentes áreas como educação, saúde, mercado de trabalho, mas que
tem sua face mais crítica na segurança pública.
“O
perfil do suspeito policial é fortalecido nas corporações. O policial aprende
que deve tratar diferente um jovem branco vestido de terno na cidade e um jovem
negro de bermuda e chinelo em uma favela. A questão é: 99,9% dos jovens negros
das favelas e periferias estão de bermuda e chinelo. E todos passam a ser
vistos como perigosos e como possíveis alvos que a polícia, se precisar, pode
matar”, diz a pesquisadora.
Na
análise por estados, a Bahia é a unidade da Federação com a polícia mais letal,
com 1.702 mortes. Esse foi o segundo maior número já registrado desde 2019
dentre todos os estados monitorados. Na sequência, vem Rio de Janeiro (871),
Pará (530), São Paulo (510), Ceará (147), Pernambuco (117), Maranhão (62),
Amazonas (59) e Piauí (27).
“O
que a gente vê na Bahia é uma escalada. Desde que a Rede começou a monitorar o
estado, houve um aumento de 161% nas mortes. De 2019 a 2023, aconteceu o
seguinte dentro da polícia baiana: em vez de coibir o uso da força letal, houve
incentivo. Pode ter certeza, não é só porque os criminosos estão confrontando
mais a polícia. É porque tem uma polícia cuja ação letal foi liberada”, diz a
cientista social. “Se os policiais matam muito, recebem congratulações dos
comandantes e incentivos institucionais, a tendência é que tipo de ação
violenta seja cada vez mais incentivada”.
Juventude
O
estudo também destaca que a juventude é a parcela da população mais vitimada
pela polícia, principalmente na faixa etária entre 18 a 29 anos. E cita o Ceará
como exemplo negativo, onde esse grupo representa 69,4% do total de mortos.
Ainda mais grave é o dado que indica que, em todos os estados analisados, 243
das vítimas eram crianças e adolescentes de 12 a 17 anos.
Particularidades
regionais
Alguns
estados tiveram redução na letalidade policial. Caso do Amazonas, onde ocorreu
queda de 40,4% e mudança na distribuição territorial das vítimas: a maioria das
mortes foi no interior do estado. Maranhão, Piauí e Rio de Janeiro também
apresentaram diminuição da letalidade em relação a 2022: 32,6%, 30,8% e 34,5%,
respectivamente.
No
Ceará e no Pará, foram registradas quedas mais discretas de mortes por
intervenção do Estado: 3,3% e 16% respectivamente. Mas o número de vítimas
negras aumentou em 27% no Ceará e em 13,7% no Pará.
Na
Bahia, há uma crescente exponencial, com registro de três vítimas negras por
dia em 2023. O número de vítimas aumentou em 16,1%. Pernambuco foi o estado que
registrou o maior aumento no número de mortos, com 28,6% mais casos que em
2022. Já São Paulo quebrou o histórico de redução e aumentou em 21,7% os óbitos
nas ações da polícia.
Dados
ausentes
Pela
primeira vez desde 2021, quando passou a integrar o estudo, o Maranhão forneceu
dados de raça e cor de vítimas da letalidade policial. Mas de maneira
incompleta: 5 a cada 7 vítimas não tiveram o perfil racial reconhecido, ou
seja, a informação estava presente em apenas 32,3% dos casos.
O
Ceará teve uma leve melhora, mas 63,9% das vítimas ainda não têm raça e cor
reconhecidas. No Amazonas, esses são 54,2% dos casos. No Pará, os não
informados representam 52,3%.
No
total, 856 vítimas não possuem registros de raça e cor nos nove estados. Os
organizadores do estudo reforçam a importância de que os governos sejam
transparentes e incluam esses dados em 100% dos casos para uma análise
qualificada da realidade. Desta forma, afirmam, o Poder Público poderá
direcionar esforços para uma sociedade mais segura para todos.
Secretarias
A
reportagem da Agência Brasil entrou em contato com algumas das
secretarias estaduais de segurança para se manifestarem sobre o estudo.
A
Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará (Segup) disse que tem
"investido na qualificação dos agentes e em equipamentos tecnológicos que
legitimam as ações de segurança, como o uso de 1.600 câmeras corporais (bodycams)
por agentes. Além disso, foram adquiridos para as polícias Militar e Civil
armamentos de incapacitação neuromuscular, visando a contenção sem risco de
lesões graves".
E
que também tem sido implementadas políticas de inclusão social, como as
nove Usinas da Paz, complexo multifuncional estadual com serviços
gratuitos de promoção da cidadania e de combate à violência. A Segup atribui a
essas iniciativas a redução de 15,89% nas Mortes por Intervenção de
Agentes do Estado (MIAE) de janeiro a dezembro de 2023, na comparação com o
mesmo período de 2022.
Já
a Secretaria Estadual de Segurança Pública do Rio de Janeiro
informou que se baseia nas estatísticas criminais oficiais produzidas pelo
Instituto de Segurança Pública (ISP). E cita a categoria Letalidade Violenta,
em que houve redução de 15% no acumulado e de 16% no último mês, em comparação
com os mesmos períodos de 2023. A categoria, no entanto, junta em um mesmo
grupo tipos de violência distintos, como homicídios dolosos, latrocínios
(roubos seguidos de morte), lesões corporais seguidas de morte e mortes por
intervenção de agentes do Estado. Disse ainda que "desconhece a
metodologia utilizada na pesquisa e a possibilidade de rastreabilidade dos
dados". Acrescenta que "as mortes de criminosos em
confronto aconteceram em decorrência de agressões praticadas contra
agentes do Estado, que atuam visando a captura e a responsabilização dos
mesmos". E que a "instituição reforça que as ações priorizam sempre a
preservação de vidas".
De
acordo com a Secretaria de Estado dos Negócios da Segurança Pública de São
Paulo (SSP-SP), "as mortes em decorrência de intervenção policial são
resultado da reação de suspeitos à ação da polícia". O órgão garante
que todos os casos do tipo são investigados com rigor pelas polícias Civil e
Militar, com acompanhamento das corregedorias, Ministério Público e Poder
Judiciário. A SSP-SP disse estar investindo "continuamente na capacitação
do efetivo, aquisição de equipamentos de menor potencial ofensivo e em
políticas públicas".
A
Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS) disse ter
compromisso em "reduzir estigmas e a vulnerabilidade contra pessoas
negras" e que dialoga com a Secretaria de Igualdade Racial (Seir) para
articular ações de combate à discriminação. A pasta afirmou tratar
"todas as mortes decorrentes de intervenção policial com seriedade e
transparência". Informou ainda que vai lançar em breve uma nova tecnologia
para cruzar dados estratégicos dos inquéritos policiais e levantamentos da
Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp), assim
como o perfil das vítimas de crimes. A secretaria garantiu que os
profissionais da segurança pública participam de formações iniciais e
continuadas para o atendimento humanizado às pessoas negras e demais grupos
vulneráveis.
Os
governos da Bahia e de Pernambuco não responderam até o momento.
(Ag.
Brasil)
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