Com a medida, as exportações brasileiras destinadas aos Estados Unidos serão taxadas em 10% a partir de sábado (5/4). Há algumas exceções que atingem, por exemplo, os dois principais produtos vendidos: o petróleo, que ficará isento do novo imposto; e o aço, que continua taxado em 25%, medida adotada por Trump em março.
O
Brasil não foi o único alvo: a gestão Trump elevou tarifas sobre diversos
países, com a promessa controversa de que isso trará mais fábricas e empregos
para seu país.
Segundo
especialistas em comércio exterior, o Brasil tem uma "arma poderosa"
na mesa para pressionar por uma negociação: ameaçar os EUA com retaliações na
área de propriedade intelectual, como quebra de patentes e suspensão de
royalties pagos a empresas americanas.
Essa
possibilidade acaba de ser autorizada com a aprovação de uma nova lei no
Congresso, ampliando os instrumentos de reação do país a barreiras comerciais
consideradas injustas.
A
ideia é que essa nova legislação permita ao Brasil adotar retaliações sem
necessidade de prévia autorização da Organização Mundial do Comércio (OMC) —
órgão que está quase paralisado.
No
caso dos Estados Unidos, a medida sobre propriedade intelectual poderia atingir
produtos farmacêuticos e da indústria cultural, como filmes, por exemplo.
Especialistas
ressaltam, porém, que o ideal é o Brasil não retaliar de fato os EUA, pois isso
poderia gerar novas ações americanos contra o país, desatando uma grave guerra
comercial.
"A
retaliação sobre propriedade intelectual só deveria ser usada como um elemento
a mais para reforçar o poder de barganha do Brasil numa eventual negociação com
os Estados Unidos", nota o coordenador do Centro de Estudos de Negócios
Globais da Fundação Getulio Vargas (FGV), Lucas Ferraz.
"É
um instrumento que deve ser utilizado com muita cautela, em casos extremos. Do
ponto de vista bilateral, eu não vejo como o Brasil retaliar e ir para o tête-à-tête com
os Estados Unidos. Seria um suicídio econômico e político", reforça.
A
estratégia de ameaçar os EUA com ações sobre propriedade intelectual seria
similar ao que o Brasil fez em 2009, quando foi autorizado pela Organização
Mundial do Comércio a retaliar os Estados Unidos por causa dos subsídios que o
país dava à produção de algodão.
O
Brasil conseguiu provar na OMC, após anos de disputa, que o subsídio americano
contrariava as regras de comércio internacional e prejudicava de forma desleal
as exportações brasileiras de algodão.
No
entanto, embora o Brasil tenha recebido autorização para retaliar os Estados
Unidos, o país não aplicou as medidas e usou essa "arma" para
negociar um acordo com a Casa Branca.
"O
que aconteceu em 2009 é que o Brasil foi autorizado a fazer a retaliação
cruzada [sobre outros produtos] e aí ameaçou retaliar em propriedade
intelectual. Isso envolve um monte de coisa, de filme a direitos autorais, mas
o que interessa mesmo [na relação entre Brasil e EUA], inclusive de pagamento
de royalties, é a questão das patentes de farmacêuticas", recorda também
Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil e hoje consultor na
área.
"O
Brasil ameaçou, os Estados Unidos negociaram, e o Brasil não chegou a aplicar a
medida. Mas é uma arma poderosa como instrumento de negociação", reforça.
Os
Estados Unidos são o segundo maior parceiro comercial do Brasil, atrás apenas
da China.
Em
nota após o anúncio de Trump, o governo brasileiro lamentou a medida e lembrou
que os EUA acumulam saldos positivos nas trocas comerciais com o Brasil — US$
43 bilhões na soma dos últimos dez anos, segundo o Ministério do
Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.
O
rombo, porém, tem recuado. No último ano, o saldo ficou positivo para os
americanos em cerca de US$ 300 milhões apenas, com o país de Trump comprando
US$ 40,4 bilhões em produtos do Brasil (12% das exportações brasileiras) e
vendendo US$ 40,7 bilhões para cá (15,5% das importações do Brasil).
A
gestão Lula enfatizou na nota a intenção de negociar com a Casa Branca, mas
cita como possíveis medidas recorrer à Organização Mundial do Comércio e
aplicar a nova lei aprovada no Congresso.
"Ao
mesmo tempo em que se mantém aberto ao aprofundamento do diálogo estabelecido
ao longo das últimas semanas com o governo norte-americano para reverter as
medidas anunciadas e contrarrestar seus efeitos nocivos o quanto antes, o
governo brasileiro avalia todas as possibilidades de ação para assegurar a
reciprocidade no comércio bilateral", diz o comunicado.
A
tarifa de 10% imposta aos produtos brasileiros ficou abaixo da aplicada a
outros países, que também foram alvo do tarifaço trumpista, como China (34%),
Índia (26%), Japão (24%) e União Europeia (20%).
A
justificativa do republicano é que esses países cobram taxas de importação
altas dos EUA e devem ser tratados com reciprocidade.
"Isso
quer dizer que, o que fazem conosco, faremos como eles", disse o
republicano.
Apesar
das promessas de Trump, críticos do aumento das tarifas dizem que a medida vai
encarecer a produção americana e provocar uma guerra comercial global.
A
Casa Branca anunciou algumas exceções para as novas tarifas, como petróleo e
derivados. Já itens como cobre, produtos farmacêuticos, semicondutores e
madeira ficaram isentos, mas o governo americano ainda avalia futuras tarifas.
Outras
'armas' podem se virar contra o Brasil
Além
da retaliação sobre propriedade intelectual, a lei aprovada no Congresso prevê
outros mecanismos de reação, como a ampliação de taxas de importação ou
restrições às quantidades importadas de países que adotarem barreiras
comerciais contra o Brasil.
No
entanto, os especialistas explicam que não é interessante para o Brasil
simplesmente elevar as tarifas de importação contra os Estados Unidos porque
isso encareceria produtos que compramos dos americanos, impulsionando a
inflação.
Além
disso, boa parte do que o país compra dos EUA são insumos usados pela indústria
brasileira, o que encareceria a produção nacional, diminuindo sua
competitividade.
"Grande
parte da importação dos Estados Unidos é justamente de insumos para a indústria
brasileira. São produtos farmacêuticos, são partes, peças, equipamentos. Ou
seja, subir a tarifa acaba prejudicando a própria indústria brasileira. O
Brasil tem muita dificuldade em retaliar [subindo essas tarifas]", destaca
Welber Barral.
Para
Lucas Ferraz, da FGV, um caminho possível é o Brasil articular uma reação com
mais países.
"Ou
o Brasil busca a via diplomática diretamente [com os EUA], ou o Brasil se
alinha a outros países para tentar minimamente aumentar o seu poder de barganha
numa negociação bilateral com Estados Unidos e, eventualmente, até tentar algum
tipo de pressão maior", disse, citando México, Canadá e União Europeia
como possíveis aliados.
Antes
do anúncio da tarifa de 10% imposta a todos os produtos brasileiros, o
principal impacto da gestão Trump para o Brasil veio da aplicação de uma taxa
de 25% sobre todas as importações americanas de aço e alumínio, que estão em
vigor desde 12 de março.
A
medida é importante porque produtos derivados de ferro e aço são o segundo item
brasileiro mais exportado para os EUA, tendo somado US$ 2,8 bilhões em vendas
em 2024, ficando apenas atrás de petróleo (US$ 5,8 bilhões).
O
Brasil, de fato, cobra tarifas maiores dos EUA?
Estatísticas
de comércio exterior apontam que, de fato, o Brasil cobra, em média, tarifas de
importação maiores sobre os produtos americanos do que o contrário.
Por
outro lado, os itens com maior volume de importação têm tarifas menores ou
mesmo zeradas.
De
acordo com o governo brasileiro, entram no país sem pagar imposto produtos
oriundos dos EUA como aeronaves e suas partes, petróleo bruto e gás natural.
Segundo
levantamento do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas
(FGV Ibre) a partir de dados do Banco Mundial, a tarifa média simples aplicada
pelo Brasil às importações dos EUA foi de 11,3% em 2022 (dado mais recente
disponível).
Ou
seja, era mais que cinco vezes a tarifa média simples cobrada dos EUA sobre as
importações brasileiras (2,2%).
Já
quando se calcula uma média ponderada pelo volume das importações, a taxa
brasileira continua maior, mas a diferença cai.
Isso
ocorre porque a tarifa média paga pelos exportadores, na prática, é menor, já
que produtos com maior volume de importação dos dois lados têm tarifas mais
baixas ou mesmo zeradas.
Considerando
essa tarifa efetiva, o Brasil cobrou em média 4,7% sobre importações vindas dos
EUA em 2022, informa a nota do FGV Ibre, a partir de dados do Banco Mundial.
Por
outro lado, diz o documento, produtos brasileiros sofreram taxação efetiva
média de 1,3% ao entrarem no mercado americano.
O
governo brasileiro, por sua vez, diz que a tarifa média cobrada pelo Brasil de
produtos dos EUA seria ainda menor, de 2,7%.
"No
geral, é importante destacar que 74% das exportações dos EUA para o Brasil
entram sem tributação, graças a vários regimes alfandegários e linhas
tarifárias isentas de impostos", argumentou o Itamaraty em um documento
protocolado em uma consulta pública do governo americano sobre as mudanças de
política tarifária, antes do anúncio das novas taxas de importação.
"Por
exemplo, o Brasil aplica um imposto de importação zero sobre produtos-chave dos
EUA, como petróleo, aeronaves, peças de aeronaves, gás natural e carvão. A
tarifa média ponderada efetiva coletada é de apenas 2,73%, significativamente
menor do que a tarifa nominal média do Brasil de 11%", dizia ainda o
documento.
Um
relatório sobre o tema publicado pelo departamento econômico do Bradesco em
fevereiro estimou qual seria o efeito caso o governo Trump decidisse igualar
todas as tarifas de importação cobradas do Brasil com as que o país cobra de
produtos dos EUA — ou seja, elevar sua tarifa média para 11,3%.
"Nesse
exercício, encontramos uma redução de cerca de US$ 2,0 bilhões nas exportações
(5% do total embarcado)", diz o relatório.
O
impacto poderia ser reduzido em caso de nova desvalorização do real.
"Em
um exercício hipotético, a depreciação equivalente do real, necessária para
compensar essa perda, seria da ordem de 1,5%, com um impacto potencial estimado
ligeiramente inferior a 0,1 ponto percentual no IPCA [índice de inflação], como
resposta direta à depreciação cambial", afirma o banco.
(Ag.
Brasil)
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