“Ele
não conseguia ficar em sala de aula e desenvolver a parte acadêmica. Ele tem um
comprometimento cognitivo bem acentuado. Naquele momento, vimos que o
primordial era ele aprender a ser autônomo. Ele teve mediador, o professor que
faz sua capacitação em mediação escolar. Meu filho não tinha condições de estar
em uma sala de aula regular, e ele ficava em uma sala multidisciplinar”.
A
inclusão escolar e a alfabetização de crianças e adolescentes do espectro
autista estão entre os desafios para a efetivação de direitos dessa população,
que tem sua existência celebrada nesta quarta-feira (2), Dia Mundial de
Conscientização do Autismo, data criada pela Organização das Nações Unidas
(ONU) para difundir informações sobre essa condição do neurodesenvolvimento
humano e combater o preconceito.
Diretora-executiva
do Instituto NeuroSaber, a psicopedagoga e psicomotricista Luciana
Brites explica que o Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um transtorno
de neurodesenvolvimento caracterizado por déficits de interação social,
problemas de comunicação verbal e não verbal e comportamentos repetitivos, com
interesses restritos. Características comuns no autismo são pouco contato
visual, pouca reciprocidade, atraso na aquisição de fala e linguagem,
desinteresse ou inabilidade de socializar, manias e rituais, entre outros.
“Por
volta dos 2 anos, a criança pode apresentar sinais que indicam autismo. O
diagnóstico precoce é fundamental para o tratamento. Como o transtorno é um
espectro, algumas crianças com autismo falam, mas não se comunicam, ou são
pouco fluentes e até mesmo não falam nada. Uma criança com autismo não verbal
se alfabetiza, mas a dificuldade muitas vezes é maior”, diz Luciana.
O
Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM, na sigla em
inglês) estabelece atualmente que as nomenclaturas mais adequadas para
identificar as diferentes apresentações do TEA são nível 1 de suporte,
nível 2 de suporte e nível 3 de suporte, sendo maior o suporte necessário
quanto maior for o nível.
Aprendizado
A
psicopedagoga ressalta que os desafios no processo de alfabetização no
autismo não impedem que ele ocorra na maioria das vezes. “É possível a inserção
do autista no ensino regular. A questão da inclusão é um grande desafio para
qualquer escola, porque estamos falando de uma qualificação maior para os
nossos professores”.
Segundo
Luciana, o mais importante é considerar a individualidade de cada aluno no
planejamento pedagógico, fazendo as adaptações necessárias.
“Atividades
que podem estimular a consciência fonológica de crianças com autismo são, por
exemplo, com sílabas, em que você escolhe uma palavra e estimula a repetição
das sílabas que compõem a palavra. Outra dica são os fonemas, direcionando a
atenção da criança aos sons que compõem cada palavra, sinalizando padrões e
diferenças entre eles. Já nas rimas, leia uma história conhecida e repita as
palavras que rimem”.
A
psicopedagoga acrescenta que as crianças autistas podem ter facilidade na
identificação direta das palavras, ou seja, conseguem decorar facilmente, mas
têm dificuldade nas habilidades fonológicas mais complexas, como perceber o seu
contexto.
“A
inclusão é possível, mas a realidade, hoje, do professor, é que muitas vezes
ele não dá conta do aluno típico, quem dirá dos atípicos. Trabalhar a
detecção precoce é muito importante para se conseguir fazer a inserção de uma
forma mais efetiva. É muito importante o sistema de saúde, junto com o sistema
de educação, olhar para essa primeira infância para fazer essa detecção do
atraso na cognição social. Por isso, é muito importante o trabalho da
escola com o posto de saúde”, afirma Luciana.
A
especialista destaca que a inclusão é um tripé e depende de famílias, escolas e
profissionais de saúde. “Professor, sozinho, não faz inclusão. Tudo começa na
capacitação do professor e do profissional de saúde. É na
escola que, muitas vezes, são descobertos os alunos com algum
transtorno e encaminhados para equipes multidisciplinares do município”.
Mãe
em tempo integral
A
dona de casa Isabele Ferreira da Silva Andrade, mãe de dois filhos autistas,
Pérola, de 7 anos, e Ângelo, de 3 anos. Isabele Ferreira/Arquivo Pessoal
Moradora
da Ilha do Governador, na zona norte do Rio de Janeiro, a dona de casa Isabele
Ferreira da Silva Andrade é mãe de duas crianças do espectro autista, Pérola,
de 7 anos, e Ângelo, de 3 anos. Ela explica que o menino tem "autismo
moderado", ou nível 2 de suporte com atrasos cognitivos e
hiperatividade. Já a filha, mais velha, tem "autismo leve",
nível 1 de suporte, e epilepsia.
“Eu
a levei no pediatra porque ela já tinha 2 anos e estava com o desenvolvimento
atrasado, não falava muito. Ela falava uma língua que ninguém entendia. Vivia
num mundo só dela, não brincava, não ria. Comecei a desconfiar. O pediatra
me explicou o que era autismo e disse que ela precisava de acompanhamento. Eu a
levei para o neurologista, para psicólogo, fonoaudióloga. Fiz alguns exames que
deram alteração”, lembra Isabele.
“Já
meu filho foi muito bem até 1 ano de idade. Depois de1 ano, começou a
regredir. Parou de comer, parou de brincar, não queria mais andar. Chorava
muito. Comecei a achar estranho. Ele foi encaminhado ao Centro de Atenção
Psicossocial (Caps) da prefeitura. Fizeram a avaliação dele lá, por uma equipe
multidisciplinar. Tentei continuar trabalhando, mas com as demandas da
Pérola e do Ângelo, tive que parar de trabalhar para levar para as terapias. O
cuidado é integral. Parei minha vida. Eu era caixa de lotérica”, conta a dona
de casa.
O
filho menor está matriculado em uma creche municipal que tem cinco crianças
autistas. No momento em que a professora percebe que o Ângelo precisa de mais
atenção, ela se concentra nele, diz Isabele.
Já a
filha mais velha está em uma turma regular em escola municipal, e, na classe,
há outro aluno com grau mais severo de autismo. “Eles têm mediadores
na escola que se concentram mais nas crianças com autismo severo. As
professoras dos dois são psicopedagogas, têm entendimento e sabem lidar”.
A
dona de casa conta que, depois que saiu o diagnóstico de sua filha mais velha,
seu pai também decidiu investigar e descobriu, com mais de 50 anos, que
também era autista. “Ele teve muita depressão ao longo de toda a vida dele”.
Política
Nacional
O
Ministério da Educação (MEC) tem a Política Nacional de Educação Especial na
Perspectiva da Educação Inclusiva desde 2008. Segundo a pasta, ela reafirma o
compromisso expresso na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência, de 2006, de que a educação escolar se faz na convivência
entre todas as pessoas, em salas de aulas comuns, reconhecendo e respeitando as
diferentes formas de comunicar, perceber, relacionar-se, sentir, pensar.
“Identificar
as barreiras que prejudicam a escolarização e construir um plano de
enfrentamento são funções de toda a equipe escolar, contando sempre com o
Atendimento Educacional Especializado (AEE). Isso pode ocorrer por meio de
salas de recursos multifuncionais (SRM), atividades colaborativas e outras
iniciativas inclusivas, a fim de que o acesso ao currículo seja plenamente
garantido”, diz o MEC.
Segundo
a pasta, 36% das escolas contam com salas de recursos multifuncionais.
Além disso, em 2022, de acordo com dados do Censo Escolar do Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o Brasil
tinha:
- 1.372.000
estudantes público-alvo da educação especial matriculados em classes
comuns.
- 89,9% das
matrículas do público-alvo da educação especial em classes
comuns.
- 129 mil
matrículas do público-alvo da educação especial desde a educação
infantil.
(Ag.
Brasil)
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